quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Tecnologia e Sociedade - Atividade 1

Em 1978, Stephen King lançou um livro chamado A Dança da Morte (The Santd, no original). Entre os fãs mais ardorosos do autor, principalmente aqueles não entusiastas da série A Torre Negra (saga épica de King, voltada para a fantasia e não para o terror), A Dança da Morte é considerada a grande obra Kinguiana. A história segue uma série de personagens que sobrevivem a uma catástrofe provocada por um vírus feito pelo homem que é liberado no ar acidentalmente. Com o colapso da sociedade, estes sobreviventes são obrigados a viver do que restou da civilização – o que foi pouco mais do que nada.

No livro Sobre a Escrita, uma autobiografia misturada com manual de escrita, King diz que uma das coisas que impulsionou A Dança da Morte foi a crise de energia que assolou a América do Norte. Além disso, o país via, nos anos 70, os primeiros ensaios daquilo que seria o ciclo de notícias de 24 horas, com canais de televisão mostrando atrocidades do mundo inteiro em tempo real. Os americanos puderam ver, então, os massacres em Uganda e a fome que assolava o mundo. Fora do planeta, ambientalistas chamavam a atenção para o buraco na camada de ozônio. Em outras palavras, a sociedade norte-americana da época começou a ver os limites de sua própria existência.

O que King fez, como romancista identificado com o terror que é, foi extrapolar as notícias da TV e de fato destruir uma sociedade que, para telespectadores, já estava condenada ao fim breve de qualquer maneira. Segundo o autor, imaginar um mundo sem tecnologia foi uma certa diversão porque foi uma chance de imaginar um mundo sem fome, sem superpopulação, sem buracos na camada de ozônio ou massacres em Uganda. Não só isto, mas este “novo mundo” ainda tinha a chance de se reerguer sobre valores que não foram os mesmos que o levaram à destruição.

O ser humano é adaptável. Tal característica é coloca à prova (e vence) todos os dias. O que leva a crer que a vida sem tecnologia hoje seria diferente, claro, mas possível. Interessante pensar que programas de TV, especialmente aqueles que querem se encaixar na categoria de “reality shows”, constantemente produzem material audiovisual que simula esta situação de dissociação com o “mundo atual”. Programas como Survivor, Pelados e Largados, Desafio em Dose Dupla, são apenas alguns dos exemplos de shows que tratam exatamente deste assunto. Num movimento de extremo oposto – tipicamente pós-moderno – cresce o interesse do público pelo polo contrário ao que é divulgado como o usual. Assim, se a experiência do viver hoje é tecnóloga, informatizada, instantânea, reproduzem na televisão versões romantizada daquilo que seria a vida no lado oposto ao desta corrente, explorando momentos de vida de participantes desconectados do mundo prático contemporâneo. É natural que estas versões televisivas de sobrevivência não sirvam como microcosmos do que seria a sociedade sem tecnologia, uma vez que, como dito, trabalham com extremos. Mas servem sim para mostrar a nossa adaptabilidade e para provar que a sociedade sobreviveria sem tecnologia com uma capacidade manual modesta e algum conhecimento prático.

Isto em termos práticos, porque em termos relacionais, a humanidade sem tecnologia teria que se reconstruir de um tecido muito mais íntimo. Porque as inovações tecnológicas alteraram a própria fibra da qual a sociedade é construída. Além das redes sociais terem dado, como disse Umberto Eco,

Espaço à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel. (Eco, 2015)1.

Elas também alteraram a maneira interpessoal de se relacionar. Mas, lembremos, ao contrário do que Mark Zuckerberg gosta de pensar, a Internet está muito além do Facebook e de suas redes sociais. As relações de trabalho, a produção e divulgação de arte, de pesquisas etc. É no seio social que a Internet se impôs como o fato mais transformador da história humana. Inovações como o avião, o elevador, o telefone ou mesmo o computador, por mais importantes e relevantes que tenham sido, não transferiram para fora do cérebro humano um repositório de informações que rivaliza com a quantidade de conhecimento que o próprio homem já conseguiu levantar ao longo de sua história.

É claro que o avião encurtou distâncias, que o elevador permitiu a construção de arranha-céus que modificaram a maneira de se pensar e praticar o urbanismo, que o telefone permitiu a comunicação para além das limitações simplórias do telégrafo, mas nenhuma destas invenções reprogramou tão completamente a maneira de agir em sociedade.

Uma reprogramação tão absoluta que não é estranho questionar se conseguiríamos sobreviver sem ela.



1. Bibliografia: http://epoca.globo.com/vida/noticia/2016/02/5-frases-memoraveis-do-escritor-umberto-eco-sobre-redes-sociais-e-tecnologia.html